Os rótulos dos cosméticos são, para quem os sabe ler, uma das melhores fontes de informação que temos sobre os cosméticos. O problema é que, entre linguagem técnica e os sites alarmistas, essa questão não é simplificada.
Estou seriamente cansada de ouvir gente a dizer "li na net que este produto tem o ingrediente X, que é usado em produtos de limpeza, por isso deitei fora e vocês têm de fazer o mesmo ou não estarão a zelar pela vossa saúde e pela da vossa família!!!!!!". É que aparentemente, para além de não terem amor ao dinheiro, constato que deviam deixar de ingerir água, porque ela é usada para fazer cimento, bem como qualquer produto que contenha água na sua composição, era um favor que faziam ao mundo.
Depois deste meu pequeno momento de mau feitio, decidi deixar-vos indicações que vos ajudarão a distinguir aquilo que é importante.
Marketing versus ingredientes que fazem realmente alguma coisa
A primeira coisa a falar é do marketing, que está estampado nas embalagens. Digam-me, se vissem um hidratante com extractos de de plantas raras que só são apanhadas na Escócia à meia noite dos dias de lua cheia enquanto se dança o conga, davam mais dinheiro por ele? Provavelmente dariam, porque a embalagem faria referências à raridade do produto e daria a entender que essas mesmas plantas teriam imensos benefícios que não encontrariam em qualquer produto concorrente. As ditas plantinhas até podiam realmente constar da fórmula, mas ninguém garante que estariam a fazer alguma coisa de útil além de estarem lá para a equipa de marketing as poder usar.
Vamos a exemplos práticos: colagéneo nos produtos de rosto e proteínas nos produtos de cabelo. Nenhum destes ingredientes vai penetrar nas células, porque são demasiado grandes. O colagéneo e as proteínas até podem fazer parte das células sobre as quais vão aplicar os produtos que os contêm, mas isso não quer dizer que vão ter algum efeito quando usados dessa forma. A melhor analogia que vi a este tipo de questões foi pelas mãos do Perry Romanowski (sem link directo para o post onde a vi, porque o Beauty Brains sofreu um problema sério há uns meses e a maioria do conteúdo foi perdido), que dizia que se tivermos uma mala descosida e atirarmos carrinhos de linha para cima da mala, ela não vai ficar arranjada, e que o mesmo passa-se com as ditas células. Não é atirando compostos das células para cima delas que vamos fazer com que haja reparação, porque simplesmente não é assim que funciona.
Ideias a reter: lá por constarem ingredientes na fórmula, não significa que tenham alguma função real além de marketing, estejam atentos ao que o ingrediente realmente está lá a fazer e não gastem o dinheiro por causa de ingredientes que na realidade são inúteis.
Lista de ingredientes, do maior para o mais pequeno
As listas de ingredientes têm regras próprias, formuladas por comissões da União Europeia que regulamentam a indústria cosmética. Uma das mais importantes, e uma que pensava que as pessoas sabiam (mas que pelo que tenho percebido, na verdade não sabem) é que os ingredientes vêm listados do que existe em maior quantidade para o que existe em menor quantidade. Ou melhor, as regras são as seguintes (de acordo com o documento Colipa Guidelines on Cosmetic Product Labelling, de 2011):
- A lista de ingredientes deve ser estabelecida em ordem descendente de peso dos ingredientes no momento em que são adicionados ao produto cosmético (ou seja, o primeiro ingrediente listado é aquele que existe em maior quantidade);
- Ingredientes com concentrações inferiores a 1% podem ser listados por qualquer ordem depois daqueles que têm concentrações superiores a 1% (ou seja, a ordem descendente é válida até concentrações de 1%, a partir daí a ordem é à escolha da empresa);
- Corantes que não os com o propósito de colorir o cabelo podem ser listados por qualquer ordem depois dos outros ingredientes;
- Compostos com o propósito de servirem como perfume ou aroma serão referidos como "Parfum".
Ideias a reter: se o ingrediente mágico está no fundo da lista, então provavelmente não está numa concentração que seja eficaz, olhem principalmente para os primeiros 5 ingredientes. Por outro lado, se um ingrediente "potencialmente perigoso em concentrações elevadas" estiver no fim da lista, não há problema.
Cuidado com as afirmações feitas nas embalagens
As empresas sabem aquilo que os clientes procuram, por isso arranjam palavras que na realidade não querem dizer nada em concreto, porque não têm definição legal. Conjunto de palavras esse em que constam "hipoalergénico", "natural", "não comedogénico" e "orgânico".
Hipoalergénico, ao contrário do que muitos pensam, não quer dizer nada em concreto, pois não existem parâmetros legais que regulamentem a sua utilização (ou seja, as empresas são livres de o usar, sem restrições). Geralmente significaria que é um produto formulado sem ingredientes que são conhecidos por causar alergia a grande parte da população. Serão, tecnicamente falando, mais seguros, mas o facto de uma substância não causar reacção alérgica a quase ninguém não significa que vos vá causar.
Natural e orgânico também não são palavras com regulamentação, pelo que podem estar a comprar produtos que têm estas palavras associadas mas que, na verdade, não cumprem aquilo que prometem simplesmente porque não são obrigados a isso.
Não comedogénico tem um problema de base diferente. As escalas de comedogenicidade foram feitas com bases em estudos efectuados em animais que não têm grande tradução na prática para a pele humana. Ou seja (e dando o exemplo mais comum), se consultarem o grau de comedogenicidade da manteiga de karité, irão verificar que é apresentada como tendo 0, que é o valor mais baixo possível. Contudo, na prática muitas pessoas apresentam surtos comedogénicos depois de aplicar este ingrediente no rosto.
Ideias a reter: existem termos não regulamentados que podem induzir em erro. "Hipoalergénico" não significa que é um produto ao qual as pessoas não fazem alergia, "não comedogénico" pode ser oclusivo para algumas peles e "natural" e "orgânico" podem não se verificar na prática.
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